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domingo, 4 de dezembro de 2016

CULTURA: Gullar, uma viagem para a encantação


Escrevo com a sensação de que havia dois em um só. Havia um poeta, dos maiores do século vinte, e havia um homem cada vez mais amargurado que escrevia para jornais no início do século vinte e um.

Havia esse Gullar bilioso, autor de um texto rancoroso, de uma coluna da qual jorrava, em profusão, um ódio aparentado com a inveja. Esse Gullar parece ser aquele eleito para a Academia Brasileira de Letras, perfeitamente à vontade no seu embolorado fardão. No dizer da acadêmica Nélida Piñon, Gullar “estava feliz com o convívio acadêmico”, em conviver com aqueles, ainda segundo ela, que são “a elite intelectual do Brasil”. A julgar pelos últimos escritos de Gullar, pelo conservadorismo e pelo ranço elitista que escorriam das suas colunas, talvez fosse verdade mesmo. Talvez ele estivesse mesmo bastante satisfeito no convívio com intelectuais do porte de Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Merval Pereira, fina flor do pensamento nacional.

Mas havia outro Gullar, o poeta de verso poderoso, de lirismo devastador, que manejava a palavra feito dinamite como em “O poema sujo” ou “Dentro da noite veloz”. 

Esse outro Gullar é que nos faz e nos fará mais falta ainda.

É o poeta do início ainda, a inventar caminhos: “Caminhos não há/ Mas os pés na grama/ os inventarão”. É o poeta concreto, a experimentar uma nova estética para o poema, a romper com o verso, ousado, sem medo. É o poeta a pagar seu tributo de homem do norte na sua experimentação do cordel, na “Peleja de Zé Molesta com Tio Sam”, em “João Boa-Morte”, dentre outros. 

O que nos faz falta, a partir de agora, é o poeta dono de um lirismo que flutuava entre o humor e o erotismo, entre a sensualidade e o épico. Em “Cantada”, o poeta afirma que a amada “é tão bonita quanto o Rio de Janeiro/ em maio/ e quase tão bonita/ quanto a Revolução Cubana”. Em uma única estrofe o poeta canta seu amor pela mulher, pela cidade e pela revolução. Não foram muitos os capazes de tal proeza. 

Quantos amantes, justificando-se que a poesia é de quem precisa dela e não de quem escreve, não se apropriaram de “Um sorriso”, tentando penetrar “a noite de tua flor que exala/ urina/ e mel”, buscando em fogo “colher com a repentina/ mão do delírio/ uma outra flor: a do sorriso/ que no alto o teu rosto ilumina”?

O Gullar que nos faz falta é o poeta que cantou Guevara em “Dentro da noite veloz”, num dos mais comoventes e belos poemas em homenagem ao revolucionário de toda a América. “A noite é mais veloz nos trópicos”, declarou o poeta, afirmando que “a vida muda o morto em multidão”. Foi um profético Gullar quem escreveu isso, anunciando a multidão de jovens em que se transformaria Ernesto Guevara.

A poesia que Gullar nos deixa é “Subversiva”. “A poesia/ quando chega/ não respeita nada/ Nem pai nem mãe./ (...) relincha/ como puta / nova/ em frente ao Palácio da Alvorada./ (...) beija/ nos olhos os que ganham mal/ embala no colo/ os que têm sede de felicidade/ e de justiça/ E promete incendiar o país”.

O Gullar que iniciou hoje a sua viagem para a encantação é esse, o poeta de figura estranha, magro e quixotesco espantalho, a cantar a vida, o amor e a revolução. O Gullar que marcha a partir de hoje para a encantação é o poeta de “Dois e dois: quatro”, a ver que “um tempo de alegria/ por trás do terror me acena”, e a cantar, a plenos pulmões, “que a vida vale a pena/ mesmo que o pão seja caro/ e a liberdade, pequena”. 



*Joan Edesson de Oliveira é educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará

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