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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Tirem-nos tudo mas deixem-nos a música


Noémia de Sousa colaborou com “O Brado Africano”, jornal da resistência, durante três anos, de 1948 a 1951; do esforço nasceu inspiração para a densa poesia. Nunca mais versejou.

A mulher incansável que cresceu em um ambiente de reivindicação, que militava de dia e distribuía panfletos à noite com João Mendes, que escrevera cartas subversivas, que redigira artigos cortados pela Censura, que conspirava, não escapou a um processo que a condenou à prisão.

Os exílios de Noémia de Sousa

Refugiou-se em Lisboa com a “geração da utopia” sondando as independências. Circulou com a nata da intelectualidade africana em Portugal até ser perseguida pela ditadura e optar por novo exílio, desta vez na França.

Com uma filha às costas, Virginia Soares (Gina), saltou a fronteira, galgou os Pirinéus e alcançou a liberdade. Estava casada, desde 1962, com o poeta Gualter Soares.

Nunca deixou a vida a levar como quisesse, lutou muito. Em 1973 retornou a Portugal, para ocupar uma vaga de trabalho na Reuters. Não sabia que a Revolução estava batendo à porta, com cravos.
Regresso a Moçambique

Trinta e três anos depois de deixar Moçambique, retornou à casa materna. Foi um reencontro inundado em lágrimas, tudo faltava no país naqueles anos 1980. Dedicou um verso àsua fé no futuro:
“Um dia o sol inundará a vida e será como uma nova infância raiando para todos”.

Noémia de Sousa, contam os íntimos, fazia feijoada e sarau de Carlos Drummond de Andrade, em uma brasileirice que adotou com gosto.

Finalmente seus poemas, reunidos no livro “Sangue Negro”, chegam ao Brasil em belíssima edição da Kapulana Editora, com ilustração de Mariana Fujisawa, que, além de letras na USP, estudou na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique, em 2014. Ilustrou livros da série “Vozes da África”, da Editora Kapulana.

Sobre a poeta, escreveram seus pares e sua filha

Mia Couto, escritor moçambicano

“Conhecia a poesia antes da pessoa. Construí para mim própria mitologia, a ideia de uma mulher fisicamente pujante, voz sólida como a esperança de que era estandarte, olhar firme como a causa das lutas que abraçava. Noémia era frágil e delicada, a voz trêmula, o olhar doce e apaixonado de criança. Ela era o poema e a poesia. A bandeira que se erguia nos seus textos éramos nós que a sustentávamos. E a certeza do que proclamava não vinha senão do murmúrio, esse mesmo sussurro que são a voz do vento, do mar e do amor.”

Marcelino Freire, escritor brasileiro e ativista cultural

“A maior dádiva da minha vida neste ano. A notícia do lançamento de SANGUE NEGRO no Brasil. Da chegada de Noémia de Sousa em nossas terras. Ela que tanto amou a Bahia e os brasileiros. O povo daqui, e do mundo, por ela cuidado. E celebrado. A mãe dos poetas moçambicanos finalmente vem nos pegar no colo.”

Virgínia (Gina) Soares, filha de Noémia

“A minha mãe nunca me deixou esquecer donde eu vinha. Apesar de eu ter nascido em Portugal e ter crescido em França. Ia-me contando a história da família, cantava-me músicas moçambicanas, contava-me contos moçambicanos. Tentou ler-me um dos seus poemas mas na altura não liguei nenhuma. Aliás, ela própria não se apercebia da importância que a poesia dela tinha para os outros.

Só nos demos conta quando ela regressou pela primeira vez a Moçambique. (…) Estava tão emocionada que mal conseguia dar uma entrevista sem começar a chorar. E nunca me esqueço do que ela me disse quando aterramos em Maputo: ´nunca pensei que alguma vez visse um negro andar na minha terra com o ar de quem a terra lhe pertence`”

Vamos ler poesia?

Sobre Noémia, falta ainda eu dizer tanto, no entanto, faz-se urgente a apresentação da festejada poesia que vicejou poesia e poesia no país e no mundo. Ironicamente, o texto que escolhi mostra a luta íntima de Noémia com as palavras, que jorravam alheias à sua vontade, que denunciavam, amavam e odiavam com vida própria. Vamos a ela:

Poesia, Não venhas!

Porque vieste hoje,
Precisamente hoje, que não posso te receber?
Hoje,
Em que tudo tem uma cor
De pesadelo e em que até minha irmã a lua
Não veio, com a sua carícia fraterna, dar-me calma?
Oh Poesia,
Não, não venhas hoje!
Não vês que a minha alma
Não te pode compreender?
Que está fechada,
Cercada, fatigada,
E nada mais quer senão chorar?
Hoje, eu só saberia cantar
A minha própria dor…
Ignoraria
Tudo o que, Poesia,
Me viesses segredar…
E a minha dor,
Que é minha dor egoísta e vazia,
Comparada aos sofrimentos seculares
De irmãos aos milhares?
Bem sei que as minhas frouxas lágrimas
Nem o mais humilde poema valeriam…
E se tu sabes que é assim, Oh! Poesia!
Será melhor que fiques lá onde estás,
E não venhas hoje, não!
(Moçambique, 23/04/1949) 


Fonte: Jornal Tornado

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